Medalhista paralímpica, a nadadora Patrícia Pereira conta a importância da fisioterapia e terapia ocupacional em sua rotina de treinos

Guerreira, verdadeira e bem humorada. Assim é a campeã paralímpica Patrícia Pereira, que ajudou o Brasil a conquistar medalha de prata na prova de revezamento 4×50 metros livre, durante os Jogos Paralímpicos Rio 2016. Em um bate-papo franco, Patrícia falou de suas dificuldades e destacou o papel essencial da Fisioterapia e da Terapia Ocupacional não só na vida dos atletas de alto rendimento, mas também de todos os cidadãos que precisam de tratamento.

Patrícia, você representou muito bem o Brasil durante os jogos Paralímpicos e obteve ótimos resultados. Conte pra gente como foi essa experiência pra você.

Para mim foi uma satisfação enorme poder representar nosso país e com excelente desempenho como eu tive. Mas eu penso que foi uma junção de tudo, uma sensação, experiência sem palavras para descrever, um mix de sentimentos, de pensamentos que passam pela nossa cabeça. Eu fiquei vendo aquele filme passando na mente, de tudo o que eu enfrentei até conquistar aquele espaço. Eu faria tudo novamente para estar e sentir outra vez esse mix de sentimentos.

Como é a emoção de ganhar uma medalha paralímpica?

A emoção de sentir a conquista de uma medalha paralímpica é um sentimento de sonho realizado, metas alcançadas. Só quando você desempenha, vai lá e dá o seu melhor, você já está realizado, é uma felicidade, uma realização plena dentro de você. A medalha só vem complementar aquilo que você vai fazer. Então, pra mim, a emoção maior e melhor pra mim foi evoluir na competição, melhorar, aprimorei meu tempo, e alcançar o que eu não esperava alcançar. Baixei meu tempo a cada competição, a cada prova. Eu estava superando meu limite. Sem palavras pra descrever a emoção que tive quando fiquei sabendo que tinha, de certa forma, contribuído para a equipe do Brasil conquistar a medalha de prata. Essa prata veio no revezamento 4×50 misto e foi uma honra nadar com meus ídolos: Joana, Daniel, Clodoaldo, Susana. A gente conhece de competições anteriores, mas não tem oportunidade de falar, conviver e participar das mesmas coisas que eles estão participando. Pra mim foi o melhor presente que Deus me proporcionou nesta vida aqui na Terra.

Espera ir para os próximos jogos paralímpicos?

Jogos. Próximos jogos. É o sonho de qualquer atleta. Se eu falar que não penso nessa possibilidade eu vou estar mentindo. Se eu lutei pra chegar nessa primeira, eu lutarei dobrado para tentar ir para a segunda. Tudo depende da vontade do Senhor. Tudo eu sempre coloquei Deus na frente. Eu sempre falei: Senhor, se o senhor me der capacidade, seguirei aonde o seu coração me mandar, me destinar, eu vou à luta. E foi assim que eu fiz. Mas para futuras competições, temos que pensar em uma estrutura melhor. Aqui no Brasil já não foi fácil chegar na Paralímpíada. Para Tóquio, provavelmente a gente tem que fazer um investimento, uma reestruturação de investimento, coisa que eu não tenho, então, se você faz isso, você com certeza consegue chegar com um pouquinho de qualidade para mostrar que potencial você tem. O que falta é estrutura e investimento. Mas se depender da minha pessoa, não tenha dúvida que eu estarei lá.

O atleta paralímpico precisa de mais apoio? Acha que as pessoas só se atentam para isso em épocas de grandes competições?

O atleta paralímpico realmente precisa de um apoio, de uma estabilidade porque muitos de nós mantemos o esporte quando você tem uma bolsa, quando cada estado tem sua política de investimento na área do esporte. No meu estado a gente depende muito do Governo porque não temos patrocínio ou colaborador fixo. Uma coisa que quando a gente necessita eles deveriam estar lá. A gente fica muito a dispor e não tem onde ir. E quando a gente vai, a maioria diz “não”. Quando o Governo nos cortou o “Compete”, o “Bolsa Atleta”, que modificou determinadas cláusulas que prejudicaram muito os atletas de alto rendimento, isso dificultou a vida de muitos atletas porque a única renda que eles têm é quando o Governo tem algum projeto voltado, bolsa, “Compete”, essas coisas. Sem patrocínio, fica inviável. É com a cara e a coragem. Eu confesso que um mês antes de eu ir para as Paralímpiadas eu queria jogar a toalha porque não tinha investimento e eu já não aguentava mais bater na porta dos outros pedindo. Estou endividada até a cabeça. Para eu desistir àquela altura do campeonato não compensava. Se eu cheguei até ali, vamos até o final agora. Mas precisa de uma política de investimento. Se um atleta olímpico tem um gasto, um investimento para ter alta performance, com o paralímpico é até mais criterioso porque a maioria de nós vem de uma lesão, de uma coisa provocada, então você já tem uma rotina modificada, além de quem nasce com determinado comprometimento. Eu me vi com dificuldade e daqui pra frente não me vejo diferente porque até agora não tenho uma resposta positiva, uma coisa concreta. Tudo de positivo no calor do momento é bom a gente ouvir, mas pra deixar o coração aliviado, pra deixar a mente livre para desempenhar até 1000% do que está fazendo, tem que ter uma coisa concreta, coisa que não tenho ainda.

Como é a sua rotina de treinos?

Minha rotina é bem aventureira. Já começa com mix de adrenalina. Levanto às 5h30, vou pra academia, da academia venho pro treino, da natação faço duas horas de academia, mais duas horas e meia, três horas de água, mais uma hora e meia de funcional, mais duas horas e meia de fisioterapia. Entre uma coisa e outra, uma consulta, dependendo da emergência, prioridade. Conclusão: saio de casa 5h30, 6h e chego em casa às 22h, 23h. Essa é a rotina de uma atleta paralímpica, que faz tudo em uma localidade diferente. Cada segmento é em um local diferente. A realidade de se pegar e se embarcar 12 a 15 vezes por dia em coletivos diferentes, é uma emoção total. Por isso não tem como ficar com um sorriso no rosto. Se não você choraria o dia inteiro!

Qual o papel da fisioterapia e da terapia ocupacional no seu dia a dia?

A fisioterapia pra mim é de essencial importância porque o atleta, uma pessoa em si, com dificuldade de locomoção, já necessita da fisioterapia rotineira pra se manter qualidade de vida. Um paratleta mais ainda porque a fisioterapia passa a ser um requisito a mais para “tirar as pressões”, alongar a musculatura, para aliviar a sobrecarga do treino. São treinos totalmente extenuantes e se você não tiver uma fisioterapia contínua, você não rende. Eu obtive excelentes resultados e estou tendo graças a uma excelente equipe multidisciplinar na terapia, que me proporciona, a cada momento que chego com determinados problemas, tratamento adequado. O terapeuta e o fisioterapeuta possibilitam o atleta a ter uma vida novamente. Então, com certeza, pelo que percebi, é importante que esses profissionais sempre estejam atualizados porque lidar com pessoas com limitação no cotidiano já requer atualização, para atleta de alto rendimento então, precisa-se muito mais. Sem contar que temos poucos profissionais que lidam diretamente com atletas, que têm instrução ou se atualizam com atletas. Temos vários profissionais excelentes, mas que não se atualizam, técnicas e determinados movimentos que precisam ser executados porque a pessoa é atleta e exige determinada posição. Isso complica muito pra gente ficar procurando na rede pública, que não se acha. E quando se acha, eles já estão lotados porque aquele atleta vai ficar sempre com ele. Se tiver isso e o sistema aprimorar mais é muito bem-vindo e de extrema necessidade. De forma alguma hoje um atleta se mantém sem um fisioterapeuta, sem um bom psicólogo, nutricionista. Qualquer profissional do segmento é essencial para um atleta de alto rendimento. Pelo o que eu vi na Seleção, os atletas têm fisioterapeutas super atualizados e graças a Deus eu não tenho do que reclamar de onde estou sendo acompanhada. São excelentes profissionais. As meninas gostam do que fazem e isso já faz uma enorme diferença para o profissional que age nesta área.

Realmente faz muita diferença quando um atleta tem esses profissionais na sua grade multidisciplinar.  Faz com que ele passe a ter excelentes resultados. Quando eu não tinha, meus resultados eram um. Quando eu passei a ser acompanhada e avaliada por esses profissionais, eu evoluí de uma forma que eu não esperava evoluir com rapidez e com segurança porque você previne, se atualiza, então pega mais resistência. São profissionais (Fisioterapia e Terapia Ocupacional) que não podem ficar de fora da vida de um atleta de alto rendimento. Não só para atletas, mas qualquer ser humano que precisa desse tipo de tratamento e de profissional. É um segmento com poucos profissionais na área de saúde. É onde a gente não encontra com facilidade nem na rede pública e até mesmo nas particulares. Volto a reafirmar que tem que se formar, valorizar esses profissionais e aumentar a grade de pessoas atualizadas no sistema e no mercado.

Você acha que a estrutura da nossa cidade e do nosso país são adequadas para as pessoas com deficiência?

Bem que eu gostaria de dizer com muito orgulho que está, mas não é adequada nossa estrutura urbana. Precisa melhorar muito. Já fez algum progresso do que existia antes. Penso que agora é a população cobrar, reivindicar para que a gente passe a ter melhoras, adequamento em calçadas, locais públicos que a gente ainda carece muito. Há muito o que se melhorar ainda. Não posso falar que não existe nada, já existe, mas classifico como mínimas e em determinadas situações, até precárias. Acredito que vai evoluir, mas precisa de muitas coisas ainda.

Ouvi uma entrevista sua em que você fala sobre o patrocínio, sobre a importância do apoio. Como é essa questão para você? Ou seja, você consegue treinar de forma tranquila com os apoios suficientes?

Patrocínio para um atleta hoje é a segunda vida dele para que possa continuar se alimentando de um sonho, uma meta, de uma realização porque sem isso, não chegará a lugar algum. É muito complicado porque é uma junção de tudo. Um atleta sem estabilidade não consegue concentração para atingir sua meta, seu objetivo em determinada situação. Em competição, por exemplo. Eu tiro por mim.  Tive dificuldade nas paralímpíadas porque meu pensamento ficou comprometido em algum momento. Eu senti muito isso na última prova minha porque meu telefone não parava de tocar em relação à cobrança, então você já fica frustrada imaginando se em sua casa tem alguma coisa pra comer, o que vai te acarretar mais aquela dívida, então, realmente compromete. Investimento, é o que eu falo, é empresarial. Se alguém bate na porta, verifique, pesquise porque quando a gente chega a bater na porta daquela pessoa, a gente já pesquisou se a pessoa tem estrutura, se ela tem capacidade que pode proporcionar aquela ajuda naquele momento. Acredito e confio no que ele está fazendo. E é isso o que tem que começar a acontecer no esporte: as pessoas acreditarem.  Nós, seres humanos, brasileiros, temos virtudes e defeitos: gostamos de ganhar, mas incentivar e proporcionar ajuda já são outros quinhentos. Porque o atleta, ele faz, ele tem força de vontade,  tanto que se torna e estão aí no dia a dia, mas sem investimento é complicado. Um atleta de alto rendimento precisa de nutricionista esportivo, fisioterapeuta esportivo, medicina esportiva, alimentação balanceada. São situações que requerem investimento financeiro. Se a gente falar que financeiro não é essencial, estou mentindo. É a segunda vida de um atleta. Porque um atleta é uma junção de tudo: tem que ter excelentes profissionais ao redor dele e uma estabilidade mental. Ela vem como? uma estabilidade quando você tem aquilo que te proporciona. Preciso de um médico? Aí já sei que tenho aquele plano de saúde ou que tenho aquele médico ou aquele laboratório que é só eu chegar lá, comunico em dois dias, um dia antes: “estou com tal problema, preciso fazer tal coisa”, ele chega lá e soluciona aquele problema. É assim que a vida de um atleta é porque você não é uma pessoa comum. Pessoa comum já tá complicada, para um atleta é pior ainda porque não se tem atualização nesses segmentos em determinados mercados, então a gente consegue tratamento tardios, aí uma lesão que está mínima, quando consegue recurso pra ela já está crônica e é aí que o atleta vai perdendo sobrevida.

 

O esporte na sua vida veio como uma forma de reabilitação após o tiro que levou. Mas como você vê essa sua nova trajetória após esse episódio que marcou pra sempre sua vida?

O esporte sempre fez parte da minha vida, mas em algum momento você prioriza o seu cotidiano. Como fui mãe muito cedo, eu sempre pratiquei esporte. Eu praticava futebol feminino quando andava e o esporte só se aprimorou mais ainda na minha vida com a reabilitação. Quando eu sofri o acidente, entrei para a reabilitação. São longos anos até você se reabilitar, ganhar força física, psicológica, e encarar a nova realidade de mundo que você irá vivenciar. Eu ingressei sim na parte do esporte e como é uma área que eu sempre gostei, lidei a minha vida toda, não tive muita dificuldade pra lidar com ela, mas ela veio por meio de reabilitação sim. Comecei no basquete em cadeira de rodas, durante uns 8, 10 anos, e fazia os dois simultâneos. Quando recebi o convite  da natação fiquei até um pouco receosa em responder imediatamente porque fiquei com vergonha de dizer que eu não sabia nadar. Tem sete anos que aprendi o ofício todo, pra mim foi muito satisfatório e é gratificante poder ter tido o privilégio de conhecer excelentes profissionais que me transmitiram uma segurança e tiveram a paciência de me ensinar e eu aprender , e eu costumo brincar com meus treinadores que sou boa aluna, que eu aprendo rápido, e isso está se mostrando na prática. Então, eu graças a Deus me realizei na natação de uma forma surpreendente. Eu não sabia nadar e muitas coisas estou aprendendo agora. Então, pra mim, está sendo muito prazeroso, uma realização de saber e acreditar que você é capaz, independente da adversidade que você tenha sofrido.

 

Quais são seus próximos planos no esporte e na vida?

O futuro a Deus pertence, mas o presente é a gente que faz. Então, se a gente começar a fazer o presente agora de uma forma equilibrada, organizada, planejada, com certeza alcançaremos excelentes resultados para o futuro. Mas se não houver uma política voltada para investimento e valorização, incentivo ao atleta, vai ficar complicado porque temos excelentes atletas de grande potencial e qualidade, mas a gente fica pelo meio do caminho justamente por falta de investimento, de uma política que dê aquela estabilidade, aquela estrutura para o atleta desempenhar com excelência o que pretende fazer. Mas quando chega na realidade, você tem que correr atrás na hora de almoçar, tem que correr atrás de conseguir uma consulta, que você vai pegar um material de treino, e são tudo coisas que demandam financeiro. Então, é nesse quesito que o atleta fica pessimista para o futuro. Mas sou brasileira, acredito sempre, desistir jamais. A gente sabe que vai encontrar muitas montanhas pelo caminho, mas já disse que sou aventureira, então estamos aqui para desbravar o que vier, até onde tiver forças. É assim que eu penso.

Passados os Jogos Paralímpicos, como está sua rotina? Voltou ao normal já com os treinos? Está dando muito autógrafo? O que mudou para você?

A minha rotina não mudou muito não. Ela só deu uma variada durante duas semanas para atender os compromissos que começaram a surgir de agenda, entrevista aqui, palestra ali. Foram duas semanas bem agitadas, confesso que foram muito mais cansativas do que minha rotina de treino do meu dia a dia, mas é muito satisfatório porque em algum momento é como estou vendo o meu trabalho valorizado, mostrando para a sociedade, nossa população capixaba que se tem atletas de alto rendimento e de potencial que estão aí, batendo de frente, fazendo o que gostam, mas com a realidade de saber que a gente precisa de ajuda. Pra mim é complicado porque tudo tem que ser no tempo das pessoas, mas algumas não entendem que as coisas têm que ser no tempo que o atleta tem disponível.

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