
Dra. Elizandra possui graduação em Terapia Ocupacional pela Escola Superior de Ensino Helena Antipoff (1993). Tem experiência na área de Terapia Ocupacional, com ênfase em Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Especialista em Atenção Primária à Saúde e pós-graduada em Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Desde 1998 trabalha na Secretaria Municipal de Ações Sociais de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo.
Veja a entrevista completa:
1-O que são os CAPS AD e quais atendimentos são prestados ou o que eles oferecem?
R: Os Centros de Atenção Psicossocial surgiram de um intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores de saúde mental, que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos usuários portadores de transtornos mentais e se constitui como principal estratégia da consolidação da Reforma Psiquiátrica. Os CAPS foram criados oficialmente a partir da Portaria GM 224/92 e são atualmente regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002 e integram a rede do Sistema Único de Saúde, o SUS.
Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas-CAPS AD são serviços abertos, de base comunitária, constituídos por equipe multiprofissional atuando na lógica interdisciplinar, especializado para atendimento aos usuários de álcool, crack e outras drogas. Os CAPS realizam atendimento, individual, em grupo, oficinas terapêuticas, atendimento aos familiares, consultas médicas, assembléias, reunião de familiares, entre outros.
2- Quem pode procurar os serviços oferecidos no CAPS AD?
R: Podem procurar os CAPS AD pessoas de todas as faixas etárias que apresentem intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Não há necessidade de ser encaminhado por algum serviço ou unidade específica.
3- Como é o trabalho do terapeuta ocupacional junto a pacientes que são usuários de álcool ou outras drogas?
R: O Terapeuta Ocupacional é um profissional que tem sua atuação voltada para o campo da atividade humana, contemplando ações essenciais relativas ao auto-cuidado, lazer, educação e trabalho. O TO faz sua anamnese, elenca as informações necessárias, fragilidades, potencialidades, e necessidades do usuário. Diante das informações elabora o Projeto Terapêutico junto com seu usuário e familiares. O trabalho do terapeuta ocupacional tem como objetivo possibilitar a expressão, promover reflexão sobre a história de vida e problemática do uso e abuso de álcool e outras drogas, buscando reinventar o cotidiano dos usuários através das atividades terapêuticas indicadas para cada caso..
4- Qual a maior dificuldade na realização deste trabalho da Terapia Ocupacional?
R: Entendo que a maior dificuldade do nosso trabalho é fazer com que usuários, familiares, profissionais de áreas afins, gestores entre outros, entendam que terapia ocupacional não é para passar o tempo e nem ocupá-lo. Nosso objetivo está voltado para reabilitação e neste caso reabilitação psicossocial. Sempre que o profissional prescreve uma atividade, ele levou em consideração todo seu processo de avaliação do caso, as singularidades e necessidades do usuário.
5- Como deve ser a formação do terapeuta ocupacional que atua com dependentes químicos?
R: Deve ser um profissional com especialização em saúde mental e atenção psicossocial e ter sensibilização para esta clientela, pois é um trabalho que exige que o profissional tenha uma disponibilidade para uma escuta qualificada e acolhedora, valorizando o sofrimento do usuário, se despindo de preconceitos e estigmas.
6-É difícil não se envolver com o drama de cada paciente/família que se encontra nesta situação da dependência química?
R: É difícil porque lidamos com vidas, seres humanos, pessoas que não pediram para estarem naquela situação e que necessitam do nosso apoio profissional para reestabelecerem suas condições de vida e de convivência social e familiar. Entretanto, o profissional ao longo de sua formação e prática, vai adquirindo maturidade e conhecimento técnico, além de manejos clínicos para trabalhar e lidar com essas questões pois suas demandas emocionais não podem interferir no atendimento e tratamento do usuário.
Na minha experiência profissional acredito que todo profissional que trabalha com saúde mental, seja terapeuta ocupacional ou outra especialidade, deve também realizar sua terapia onde pode e deve trabalhar as questões subjetivas e do seu trabalho.
7- Sabemos que quando há dependência química, nem sempre o dependente tem forças para lutar contra o vício e acaba abandonando o tratamento. Nestes casos, o que pode ser feito? Como a terapia ocupacional pode ajudar no retorno desses pacientes?
R: Todo processo de tratamento está sujeito a abandono e resistência por parte do usuário. Especialmente na dependência química abandono e recaídas são mais comuns. Devemos entender que essas situações são inerentes ao processo de recuperação desse sujeito e o terapeuta ocupacional pode utilizar várias ferramentas que o auxiliem no resgate desse usuário. Ferramentas essas que vão desde acolhimento, escuta, vínculo, abordagens motivacionais a outros manejos clínicos que sejam necessários a condução do caso.
8- Como deve ser a participação da família do paciente durante este tratamento? Além de apoio, a família também precisa de tratamento?
R: A participação da família em todo o processo é de suma importância, uma vez que esta necessita ser acolhida e fortalecida em suas demandas. A família precisa aprender a lidar com o dependente químico, tarefa que nem sempre é simples. Entender a doença, suas consequências, saber lidar com perdas, recaídas, isso é um processo.
Normalmente os familiares já vêm com uma história de desgaste, sofrimento e falta de apoio, não sabem o que fazer diante do problema.
Costumamos dizer que a família é co-dependente nesse processo, pois ela passa a viver em função do seu ente adoecido. Cabe ao profissional de saúde e também ao terapeuta ocupacional estabelecer uma relação respeitosa, fundamentada na atenção, escuta mútua, troca de saberes e experiências.
Na saúde mental buscamos o cuidado integral fortalecendo o protagonismo dos usuários e familiares.
Entendemos que a família necessita de acompanhamento desde o início do processo de tratamento.
9- Em São Paulo estamos vendo um grande debate sobre a forma de lidar com os usuários de crack. As reportagens mostram pessoas em estado deplorável, sem aparente consciência. Qual o melhor caminho para isso? O tratamento compulsório? Esperar a iniciativa do usuário? Qual a leitura que a senhora faz desta situação?
R: Como está muito bem descrito no Guia Estratégico para o Cuidado de Pessoas com Necessidades Relacionadas ao Consumo de Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, o tratamento deve ser construído a partir de uma linha de cuidado com usuários e familiares, partindo do pressuposto da complexidade da realidade, o que torna impossível termos uma saída única, padronizada e isolada. Cada caso é um e deve ser estudado, avaliado dentro da singularidade do sujeito envolvido. O cuidado deve ser ofertado em regime aberto, de base comunitária, preferencialmente próxima aos seus familiares e dentro do seu território.
A internação deve ser o último recurso a ser utilizado, como consta da Lei Federal Nº10. 216 de 06 de abril de 2001, no “Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.”
E quando necessárias devem vir com laudo médico circunstanciado e que caracterize seus motivos, como está também descrito no artigo 6º da referida Lei.
A leitura que faço da situação atual de São Paulo e dos demais estados que passam por este mesmo problema é que devemos pensar na internação como último recurso a ser utilizado dentro de uma linha de cuidados para esta clientela. Devemos cobrar que as políticas públicas sejam efetivadas em prol do atendimento integral a esses usuários.
Ressalto que a judicialização na saúde invade nosso processo de trabalho, atropela nossos fluxos de atendimento, afeta a regulação de vagas. Se o recurso destinado às internações compulsórias fosse utilizado na implantação e efetivação da própria Rede de Atenção Psicossocial, que tem como foco a promoção e prevenção, sem dúvida, lograríamos maior êxito.
10- Quais as recomendações para o terapeuta ocupacional que pretende atuar junto a dependentes químicos?
R: O terapeuta ocupacional deve ser acolhedor, empático, criativo, saber trabalhar em equipe, estar despido de seus preconceitos e julgamentos do que considera estar certo ou errado, buscar sempre estar se atualizando dentro das políticas públicas, em especial de saúde mental com ênfase em álcool, crack e outras drogas.
11- Anteriormente perguntei sobre a maior dificuldade na realização deste trabalho. Agora pergunto: qual a maior gratificação?
R: A maior gratificação é, sem dúvida, conseguirmos participar e colaborar do processo de resgate e inserção desse usuário no contexto de sua vida social, familiar e laborativa. É podermos dizer que fizemos a diferença no cuidado e na vida daquela pessoa que estava em sofrimento.


